2 de ago. de 2016

Separatio - Separar para integrar

No post anterior, falamos sobre a matriz, que está relacionada ao feminino, à natureza, ao inconsciente como essa força e geradora de vida, que temos acesso em nós, se lembrarmos de buscar essa fonte, de nos conectarmos com ela. Hoje vamos ver uma das operações alquímicas, a "separatio" - que quer dizer separação: é o principio masculino, o princípio do logos, do discernimento, da discriminação
Pensando na teoria junguiana, a matriz é como se fosse um mar de forças latentes, que nada mais é do que o incosciente coletivo. Quando nascemos, estamos mergulhados nesse mar indiferenciado de energias, e aos poucos vamos nos diferenciando. É como se do meio desse mar fosse surgindo uma ilha. Essa ilha é a cosciência, e o centro da ilha corresponde ao Ego. 
O Ego é o princípio ativo que vai promover a diferenciação do mar original de energias. O Ego pode ser visto como o herói que mata o dragão, que salva a donzela e enfrenta os monstros.
E o que significa tudo isso?
Nascemos imersos na matriz - que nos oferece energia, força, vida... é a mãe. Mas não podemos ficar no colo da mãe, simplesmente. Temos que nos diferenciar e é o Ego que faz isso. 
A primeira diferenciação que fazemos é dividir o mundo em dois: sujeito/objeto, dentro/fora, bem/mal, Ego/não Ego. Polarizar é uma tarefa bem complexa. 
Depois de diferenciarmos os opostos, nos identificamos com um dos polos, e o outro vai para o incosciente. 
É um ato de amadurecimento suportar todos os opostos, pois eles são as duas faces da mesma moeda. Mas esse amadurecimento vem com o tempo, com as experiências, com nossa abertura para o aprendizado. 
Vamos observar a primeira figura: 


Vemos o alquimista cortando o ovo filosáfico. O ovo é também uma imagem, um símbolo do início, além da forma arredondada, que também é simbolica. Portanto, cortar o ovo é cortar a unidade primordial. Antes da divisão, não há angústias, tudo é uma coisa só. Mas quando se divide, surgem as angústias, porque nesse momento temos que nos posicionar entre os dois polos. Por isso que essa diferenciação não é uma tarefa fácil. Viver na inconsciência original é como aquela pessoa que não para para pensar, ela se identifica com uma leitura da realidade e não questiona se existe outras possibilidades.ela segue a vida pela receita, pela consciência de sua época. É uma pessoa que não cresce, não amadurece. Segue o fluxo, apenas. Ela não cortou o ovo. O primeiro passo é separar-se dessa situação de indiferenciação. A consciência surge da diferenciação entre os opostos.
A segunda figura apresenta o mito de criação do Egito:


Marie Luise von Franz nos diz que qualquer mito de criação se inicia com a separação: o céu da terra, dividir os animais, a noite do dia. Para criar um ambiente organizado, para passar do caos ao cosmo, é necessário separar, diferenciar as coisas. Não dá para viver em um mundo sem orientação. Essa é a primeira operação. Na figura temos Nut (Céu) e Geb (Terra), o feminino e o masculino. Não cabe contar o mito aqui, mas é importante dizer que ele narra a separação entre céu e terra, assim como a mitologia grega conta a história da separação de Géia (Terra)  e Urano (Céu).
O próximo passo depois da divisão em dois polos, é a divisão em quatro partes. Essa é uma divisão arquetípica - vejam os quatro elementos (terra, fogo, água e ar). O 4 é uma ordenação que anuncia o 5, que é o número que representa a totalidade - o quinto elemento, éter, que é a junção dos quatros elementos.
Precisamos dividir para criarmos identidade, e só depois podermos os juntar novamente, em uma relação madura, por exemplo, com cosciência do que é meu e o que é do outro. quando o relacionamento, seja qual for a sua natureza, cria uma relação simbiótica (indiferenciada), nenhum dos dois crescem. E aqui está a importância da Separatio!
Abaixo, a terceira figura:


O alquimista está fazendo um desenho. Ele busca proporções harmoniosas, busca fugir dos extremos e chegar no centramento (que no linguagem junguiana corresponde ao Self). O trabalho alquímico gera a beleza, a harmonia e a ética, que são virtudes necessárias para um bem viver. Quando usamos bem nossa energia, nos mantemos em princípio homeostático, onde as coisas funcionam ordenadamente, tanto na psiquê quanto no corpo. Mas vivemos em uma sociedade que transforma o ouro em chumbo, que é o contrário do trabalho alquímico - que transforma o chumbo em ouro. 
As duas próximas figuras nos apresentam a separação e a integração.



Devemos nos separar/diferenciar, mas somos seres em relação, eu só sou com o outro. Para fazer a integração é preciso trabalhar com os opostos, trabalhar com a sombra, com tudo que não está no consciente. Para integrar é preciso evitar a unilateralidade. E só integrando todos esses conteúdos é que podemos amadurecer e transformar, ao longo do tempo, através das experiências, nosso chumbo em ouro. 

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